3º Motoboy Festival
por Rodrigo Bertolotto - São Paulo
No pavilhão vizinho acontecia a Expo Noivas. Mas ali, no lugar da grinalda, estava o capacete. Em vez de vestidos brancos com renda, jaquetas negras com fitas reflexivas. Nada de limusines megalomaníacas: o que imperava eram os veículos sobre duas rodas. O 3º Motoboy Festival mostrou que a categoria que busca atualmente reconhecimento político e social foi há tempos aceita economicamente.
"Os empresários já nos enxergam como ótimos consumidores", sintetiza Gilberto dos Santos, presidente do Sindimotosp, sindicato que liderou a manifestação que reagiu à série de proibições municipais aos motociclistas (desde a circulação na via expressa das marginais até a garupa).
"Os motoboys têm de ser aceitos como cliente e como cidadão. Ninguém faz nada por eles, só xinga", afirma Caio Alcântara Machado, o organizador da exposição temática desse nicho de mercado. "É um segmento que movimenta US$ 2,2 bilhões por ano. As empresas deviam se interessar mais porque os motoboys são a base dessa economia", completa.
A feira seguiu o receituário de suas similares. Tinha estandes comerciais (como o de uma seguradora) e outros institucionais (por exemplo, o Instituto Brasileiro Contra Fraude de Seguradoras). No quesito entretenimento, contou com uma "gincana da melhor entrega", um show de motociclistas saltando jamantas, um concurso para quem veste mais rápido a roupa de chuva e uma "moto mecânica" que tentava derrubar o desafiante para mostrar a eficácia de um colete com air-bag.
A parte musical incluía o rap do motoboy ("Ei, Cachorro Louco/Todos os Motoboys/Todo Dia Eu Corro Risco") e o funk da namorada do motoboy ("Eu Só Quero Namorar Motoboy/O Gostoso é Que na Moto Montar Não Dói").
Mas a atração principal foram os concursos de beleza que escolheram a musa da categoria e o galã entre esse tipo de trabalhador. O vencedor foi Renato Costa, motoboy de Guarulhos. "Fui fazer uma entrega em Osasco, cheguei com uma mancha de poluição nos olhos. A maquiadora teve que limpar antes de passar base", contou o ganhador de uma moto chinesa Mizu e de um contrato de dois anos com a agência de modelos Faro.
Ele, como os outros sete concorrentes, foi recebido pelo público com expressões como "biba", "baitola" e "perigosa". Mas eles sabiam que corriam esse risco. "A recepcionista da firma que me inscreveu. Dei risada na hora, mas depois topei. Sabia que os camaradas iam zoar", se resigna Renato, que diz fazer sucesso nas entregas. "Quando eu levo pizza à noite, tem uma mulherada que sempre pergunta se estou namorando."
Já no concurso feminino não era obrigatório ser motogirl. Só uma entre as 16 finalistas tinha familiaridade com as motocas: a auxiliar administrativa Cristiane Pizolio três vezes por semana faz entrega sobre rodas. "Os motoboys não são solidários com as mulheres. Uma vez caí na avenida 23 de Maio, e ninguém socorreu", reclamou a concorrente, que beijou a namorada ao sair da passarela quando soube que havia se classificado para a final. Teve de ouvir o coro: "Beija nóis, não beija ela".
Segundo os organizadores, para cumprir o papel de musa dos motoboys tem de ser curvilínea (mais popularmente, boazuda). "Tem de mostrar o que eles gostam, ser bastante animada", teoriza Ana Paula Minerato, 18, cuja curtíssima saia oferecia ao público algo mais que suas pernas torneadas conseguidas com três horas de musculação quatro vezes por semana. "Queria vencer para vender a moto de prêmio e colocar seios de silicone como fez minha irmã", confessa. A premiação-extra para as mulheres era um ensaio sensual na revista Premium.
No corpo de jurado, um corpo se destacava: o da ex-motogirl e ex-BBB Lea. "Fiquei muito famosa. Onde eu ia entregar as pessoas queriam conversar. Isso atrapalhava. Trabalhei duas semanas após o programa e parei", conta a garota que trabalhou três anos antes de entrar para o reality show da TV Globo, fazer quatro operações plásticas e sair pelada em revista masculina. Hoje, ganha a vida com o cachê de eventos como o deste domingo.
O fenômeno social de 20 anos de existência (a versão motorizada dos antigos office boys) encontrou sua forma comercial nas mãos de dois irmãos quatrocentões, Caio e Luis Alcântara Machado. A família está no Brasil desde a época colonial, com direito a bisavó jurista, tio-avó escritor e avô deputado federal, além do pai ter sido o pioneiro das feiras no país, liderando empreendimentos como a Fenit, a UD e o Salão do Automóvel. Mas a empresa à frente desses eventos foi vendida, e hoje os herdeiros buscam nichos alternativos para criar eventos (eles também organizam um festival para pizzaiolos).
O que não faltam são produtos nessa subcultura. Há colete com fitas reflexivas, com espaço publicitário nas costas e até com air-bag (tecnologia japonesa que custa R$ 950, acima do nível salarial da categoria). Há capacetes personalizados, baús, grifes de "racing wear" e calçados de proteção que custam R$ 139 e possuem bico reforçado de plástico, evitando as pontas de aço que ativam os sensores de metal e atrasam a vida desse profissional na entrada dos bancos. "Cadê a Honda, a Yamaha e a Suzuki? Somos uma classe gigantesca e geramos uma indústria milionária. Parece que não querem associar a imagem à nossa categoria", critica o sindicalista Gilberto dos Santos.
Quem estava por lá era a emergente chinesa Miza, com suas peças fabricadas em Xangai e montadas no Tatuapé. Seu modelo mais básico (de 125 cilindradas e valor de R$ 3.900) foi batizado com o sugestivo de Esquema. "É uma moto para a classe C. O nome é para mostrar que comprar essa moto é um bom esquema", afirma o gerente administrativo João Carlos Lima. As instruções no tanque de gasolina estão em inglês, francês e alemão, mostrando como ela, além de barata, estava endereçada para outros mercados.
Sintomaticamente, a feira aconteceu na Expo Imigrantes, vizinho ao Parque do Estado, local notabilizado por um dos motoboys mais famigerados: Francisco de Assis Pereira, o chamado "maníaco do Parque", que violentou e matou 11 garotas por lá dez anos atrás.
Os motoboys lutam atualmente para reverter a imagem de vilões do trânsito e de marginais motorizados, rótulo a cada reportagem sobre eles. Eles preferem ser reconhecidos, por exemplo, como os garçons sobre rodas da cidade, afinal, 40% de todas as pizzas consumidas em São Paulo são levadas por motoboys. Mas se precisarem também podem ser lembrados pelo seu crescente papel político, com o sindicato planejando novo protesto nas Marginais entre os dias 14 e 15 de fevereiro para criticar a proibição de trafegar na via expressa.
No pavilhão vizinho acontecia a Expo Noivas. Mas ali, no lugar da grinalda, estava o capacete. Em vez de vestidos brancos com renda, jaquetas negras com fitas reflexivas. Nada de limusines megalomaníacas: o que imperava eram os veículos sobre duas rodas. O 3º Motoboy Festival mostrou que a categoria que busca atualmente reconhecimento político e social foi há tempos aceita economicamente.
"Os empresários já nos enxergam como ótimos consumidores", sintetiza Gilberto dos Santos, presidente do Sindimotosp, sindicato que liderou a manifestação que reagiu à série de proibições municipais aos motociclistas (desde a circulação na via expressa das marginais até a garupa).
"Os motoboys têm de ser aceitos como cliente e como cidadão. Ninguém faz nada por eles, só xinga", afirma Caio Alcântara Machado, o organizador da exposição temática desse nicho de mercado. "É um segmento que movimenta US$ 2,2 bilhões por ano. As empresas deviam se interessar mais porque os motoboys são a base dessa economia", completa.
A feira seguiu o receituário de suas similares. Tinha estandes comerciais (como o de uma seguradora) e outros institucionais (por exemplo, o Instituto Brasileiro Contra Fraude de Seguradoras). No quesito entretenimento, contou com uma "gincana da melhor entrega", um show de motociclistas saltando jamantas, um concurso para quem veste mais rápido a roupa de chuva e uma "moto mecânica" que tentava derrubar o desafiante para mostrar a eficácia de um colete com air-bag.
A parte musical incluía o rap do motoboy ("Ei, Cachorro Louco/Todos os Motoboys/Todo Dia Eu Corro Risco") e o funk da namorada do motoboy ("Eu Só Quero Namorar Motoboy/O Gostoso é Que na Moto Montar Não Dói").
Mas a atração principal foram os concursos de beleza que escolheram a musa da categoria e o galã entre esse tipo de trabalhador. O vencedor foi Renato Costa, motoboy de Guarulhos. "Fui fazer uma entrega em Osasco, cheguei com uma mancha de poluição nos olhos. A maquiadora teve que limpar antes de passar base", contou o ganhador de uma moto chinesa Mizu e de um contrato de dois anos com a agência de modelos Faro.
Ele, como os outros sete concorrentes, foi recebido pelo público com expressões como "biba", "baitola" e "perigosa". Mas eles sabiam que corriam esse risco. "A recepcionista da firma que me inscreveu. Dei risada na hora, mas depois topei. Sabia que os camaradas iam zoar", se resigna Renato, que diz fazer sucesso nas entregas. "Quando eu levo pizza à noite, tem uma mulherada que sempre pergunta se estou namorando."
Já no concurso feminino não era obrigatório ser motogirl. Só uma entre as 16 finalistas tinha familiaridade com as motocas: a auxiliar administrativa Cristiane Pizolio três vezes por semana faz entrega sobre rodas. "Os motoboys não são solidários com as mulheres. Uma vez caí na avenida 23 de Maio, e ninguém socorreu", reclamou a concorrente, que beijou a namorada ao sair da passarela quando soube que havia se classificado para a final. Teve de ouvir o coro: "Beija nóis, não beija ela".
Segundo os organizadores, para cumprir o papel de musa dos motoboys tem de ser curvilínea (mais popularmente, boazuda). "Tem de mostrar o que eles gostam, ser bastante animada", teoriza Ana Paula Minerato, 18, cuja curtíssima saia oferecia ao público algo mais que suas pernas torneadas conseguidas com três horas de musculação quatro vezes por semana. "Queria vencer para vender a moto de prêmio e colocar seios de silicone como fez minha irmã", confessa. A premiação-extra para as mulheres era um ensaio sensual na revista Premium.
No corpo de jurado, um corpo se destacava: o da ex-motogirl e ex-BBB Lea. "Fiquei muito famosa. Onde eu ia entregar as pessoas queriam conversar. Isso atrapalhava. Trabalhei duas semanas após o programa e parei", conta a garota que trabalhou três anos antes de entrar para o reality show da TV Globo, fazer quatro operações plásticas e sair pelada em revista masculina. Hoje, ganha a vida com o cachê de eventos como o deste domingo.
O fenômeno social de 20 anos de existência (a versão motorizada dos antigos office boys) encontrou sua forma comercial nas mãos de dois irmãos quatrocentões, Caio e Luis Alcântara Machado. A família está no Brasil desde a época colonial, com direito a bisavó jurista, tio-avó escritor e avô deputado federal, além do pai ter sido o pioneiro das feiras no país, liderando empreendimentos como a Fenit, a UD e o Salão do Automóvel. Mas a empresa à frente desses eventos foi vendida, e hoje os herdeiros buscam nichos alternativos para criar eventos (eles também organizam um festival para pizzaiolos).
O que não faltam são produtos nessa subcultura. Há colete com fitas reflexivas, com espaço publicitário nas costas e até com air-bag (tecnologia japonesa que custa R$ 950, acima do nível salarial da categoria). Há capacetes personalizados, baús, grifes de "racing wear" e calçados de proteção que custam R$ 139 e possuem bico reforçado de plástico, evitando as pontas de aço que ativam os sensores de metal e atrasam a vida desse profissional na entrada dos bancos. "Cadê a Honda, a Yamaha e a Suzuki? Somos uma classe gigantesca e geramos uma indústria milionária. Parece que não querem associar a imagem à nossa categoria", critica o sindicalista Gilberto dos Santos.
Quem estava por lá era a emergente chinesa Miza, com suas peças fabricadas em Xangai e montadas no Tatuapé. Seu modelo mais básico (de 125 cilindradas e valor de R$ 3.900) foi batizado com o sugestivo de Esquema. "É uma moto para a classe C. O nome é para mostrar que comprar essa moto é um bom esquema", afirma o gerente administrativo João Carlos Lima. As instruções no tanque de gasolina estão em inglês, francês e alemão, mostrando como ela, além de barata, estava endereçada para outros mercados.
Sintomaticamente, a feira aconteceu na Expo Imigrantes, vizinho ao Parque do Estado, local notabilizado por um dos motoboys mais famigerados: Francisco de Assis Pereira, o chamado "maníaco do Parque", que violentou e matou 11 garotas por lá dez anos atrás.
Os motoboys lutam atualmente para reverter a imagem de vilões do trânsito e de marginais motorizados, rótulo a cada reportagem sobre eles. Eles preferem ser reconhecidos, por exemplo, como os garçons sobre rodas da cidade, afinal, 40% de todas as pizzas consumidas em São Paulo são levadas por motoboys. Mas se precisarem também podem ser lembrados pelo seu crescente papel político, com o sindicato planejando novo protesto nas Marginais entre os dias 14 e 15 de fevereiro para criticar a proibição de trafegar na via expressa.
Em discussão no tópico:
http://motoscustom.com.br/forum/viewtopic.php?p=3017
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