Pateta no volante
por Folha SP
"O homem comum é uma criatura de hábitos estranhos e peculiares", diz o narrador do desenho animado "Pateta no Trânsito - Senhor Volante", que Walt Disney lançou nos anos 1950 (veja em goo.gl/6TcGW3).
O Senhor Walker, por exemplo, protagonista do filmete, é "considerado um bom cidadão e de inteligência razoável" mas quando ele pega no volante acontece um fenômeno estranho.
O senhor Walker se deixa levar pela sensação de poder. Sua personalidade muda completamente". Como no clássico "O Médico e o Monstro" (de Robert L. Stevenson), no comando do carro, Walker assume uma nova personalidade, a do Senhor Wheeler, agressivo condutor que buzina, xinga, faz manobras perigosas e acelera para chegar ao seu destino.
Os nomes fazem um sentido especial em inglês: "walker" é quem anda a pé; "wheeler", quem tem rodas...
Qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência. Infelizmente, o Brasil está cheio de Patetas no trânsito. Como o senhor Wheeler, acreditam que podem se portar feito animais violentos porque gastam uma fortuna em impostos e, portanto, merecem correr o quanto podem pelo asfalto que pagaram.
O mau comportamento se espraia por todas as classes. Os carros de qualquer tipo e valor desrespeitam igualmente as leis de trânsito. Por isso, o índice de acidentes e mortes provocados pelo trânsito por aqui não é de todo surpreendente, embora insuportável. Segundo a CET, 19 pessoas são atropeladas por dia em São Paulo.
Os números são coerentes com a pesquisa da Fundação Seade segundo a qual acidentes de trânsito mataram quase 150 mil pessoas entre 1990 e 2010, só no Estado de São Paulo. O montante significa 7.500 mortes ao ano, muito mais do que em lugares sob eterno conflito militar, como Israel e Palestina.
Além de imprudente, o Pateta motorizado paulistano é violento. Não bastasse a barbeiragem cotidiana, ele também provoca 70 ocorrências diárias por causa de brigas geradas no trânsito. Ou seja, basta entrar num carro que o "homem cordial" semelhante ao Sr. Walker se torna uma besta agressiva, que buzina, xinga e pode até bater por causa do tráfego, como o Sr. Wheeler.
No Brasil, a taxa de mortes no trânsito é quatro vezes maior do que nos EUA. Não é de se chocar. Afinal, são muito mais comuns os "rachas" de carros e parece ser maior o número de condutores alcoolizados. Além disso, o policiamento ostensivo, dia e noite, é muito maior nos EUA.
No afã de gastar dinheiro em obras, os governantes brasileiros economizam em zeladoria, restringindo o policiamento de tráfego a números reduzidos quando a experiência americana mostra que a onipresença de guardas de trânsito, 24 horas por dia, provoca um maior respeito às regras e aos sinais. O comportamento do americano no trânsito certamente melhorou muito desde que Disney fez os filmetes com o Pateta ao volante. Parte dessa evolução se deve também ao fato de que os EUA acordaram mais cedo para os problemas criados pela prioridade ao automóvel como solução para mobilidade.
A prefeitura, que tem priorizado o transporte público, poderia também zelar pelos "walkers". Fossem feitas mais campanhas de conscientização e educação no trânsito, como a que melhorou o respeito às faixas de pedestre, mais paulistanos poderiam largar sua personalidade "wheeler"...
Fonte: Folha
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"O homem comum é uma criatura de hábitos estranhos e peculiares", diz o narrador do desenho animado "Pateta no Trânsito - Senhor Volante", que Walt Disney lançou nos anos 1950 (veja em goo.gl/6TcGW3).
O Senhor Walker, por exemplo, protagonista do filmete, é "considerado um bom cidadão e de inteligência razoável" mas quando ele pega no volante acontece um fenômeno estranho.
O senhor Walker se deixa levar pela sensação de poder. Sua personalidade muda completamente". Como no clássico "O Médico e o Monstro" (de Robert L. Stevenson), no comando do carro, Walker assume uma nova personalidade, a do Senhor Wheeler, agressivo condutor que buzina, xinga, faz manobras perigosas e acelera para chegar ao seu destino.
Os nomes fazem um sentido especial em inglês: "walker" é quem anda a pé; "wheeler", quem tem rodas...
Qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência. Infelizmente, o Brasil está cheio de Patetas no trânsito. Como o senhor Wheeler, acreditam que podem se portar feito animais violentos porque gastam uma fortuna em impostos e, portanto, merecem correr o quanto podem pelo asfalto que pagaram.
O mau comportamento se espraia por todas as classes. Os carros de qualquer tipo e valor desrespeitam igualmente as leis de trânsito. Por isso, o índice de acidentes e mortes provocados pelo trânsito por aqui não é de todo surpreendente, embora insuportável. Segundo a CET, 19 pessoas são atropeladas por dia em São Paulo.
Os números são coerentes com a pesquisa da Fundação Seade segundo a qual acidentes de trânsito mataram quase 150 mil pessoas entre 1990 e 2010, só no Estado de São Paulo. O montante significa 7.500 mortes ao ano, muito mais do que em lugares sob eterno conflito militar, como Israel e Palestina.
Além de imprudente, o Pateta motorizado paulistano é violento. Não bastasse a barbeiragem cotidiana, ele também provoca 70 ocorrências diárias por causa de brigas geradas no trânsito. Ou seja, basta entrar num carro que o "homem cordial" semelhante ao Sr. Walker se torna uma besta agressiva, que buzina, xinga e pode até bater por causa do tráfego, como o Sr. Wheeler.
No Brasil, a taxa de mortes no trânsito é quatro vezes maior do que nos EUA. Não é de se chocar. Afinal, são muito mais comuns os "rachas" de carros e parece ser maior o número de condutores alcoolizados. Além disso, o policiamento ostensivo, dia e noite, é muito maior nos EUA.
No afã de gastar dinheiro em obras, os governantes brasileiros economizam em zeladoria, restringindo o policiamento de tráfego a números reduzidos quando a experiência americana mostra que a onipresença de guardas de trânsito, 24 horas por dia, provoca um maior respeito às regras e aos sinais. O comportamento do americano no trânsito certamente melhorou muito desde que Disney fez os filmetes com o Pateta ao volante. Parte dessa evolução se deve também ao fato de que os EUA acordaram mais cedo para os problemas criados pela prioridade ao automóvel como solução para mobilidade.
A prefeitura, que tem priorizado o transporte público, poderia também zelar pelos "walkers". Fossem feitas mais campanhas de conscientização e educação no trânsito, como a que melhorou o respeito às faixas de pedestre, mais paulistanos poderiam largar sua personalidade "wheeler"...
Fonte: Folha
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